Hip Hop: arte, criatividade e inclusão social

Aproveito para partilhar o texto que recentemente publiquei na Revista Escolhas:

Hip Hop: arte, criatividade e inclusão social

A opinião generalizada tende a associar a inovação e a criatividade às culturas maioritárias e às elites culturais. Esta opinião é questionável quando analisamos os processos de emergência e disseminação de algumas práticas culturais. Foi assim com o Gospel, com o Rock n’ Roll e com a música Jazz, pelo que analisar o processo de emergência e disseminação do Hip Hop, pode – mais uma vez - ser um bom exemplo para perceber o contributo das minorias para a maiorias, de baixo para cima.

Durante os anos 60 do século passado, e face ao cenário de destruição no South Bronx (Nova Iorque) como consequência de um conjunto de grandes modificações estruturais do qual se salienta a construção do South Bronx Expressway, a primeira resposta à estratégia de ”negligência benigna” decretada pelos líderes políticos para este bairro, foi um aumento galopante da violência. De acordo com Chang (2005)
[1], “em 1973 existiam no South Bronx mais de 1.000 gangues juvenis, que envolveriam cerca de 10.000 jovens”, maioritariamente hispânicos e afro-americanos. De tal forma os impactos desta onda massiva de violência foram negativos que o Mayor de Nova Iorque chegou a decretar a demolição do South Bronx, profetizando que “dali nada de novo iria nascer”. Felizmente, enganou-se.

Percebendo que a violência não era saída para os problemas da comunidade e que a mesma apenas gerava auto-flagelação e exclusão, a expressão artística assumiu-se, gradualmente, como uma alternativa. Aos poucos, e movidos por uma enorme vontade criativa e de afirmação positiva e não-violenta, grupos de jovens descendentes de imigrantes, iriam pegar em velhos gira-discos trazidos pelos pais da Jamaica e reinventar a prática do soundsystem, iriam misturar passos dos seus anti-heróis dos filmes de Kung Fu com os passos de dança Funk de James Brown e inventar novas expressões corporais. Ao mesmo tempo iriam promover a reutilização de latas de pintura automóvel como forma de procurarem expressar-se por edifícios mais belos e por uma comunidade melhor, complementando ainda o DJ com os Mestres de Cerimónias (MC) que animavam as famosas festas comunitárias (blockparties).

É desta fusão intercultural, em meios profundamente adversos, que é criado o Hip Hop e as suas quatro vertentes originais: DJing, MCeeng, Graffiti e B-boying. Sem saberem, estes jovens estavam a reescrever a (sua) história e a inventar uma nova cultura urbana juvenil que viria a tornar-se, possivelmente, na cultura global deste início de século com mais influência nas crianças e jovens de todo o mundo.

Num momento em que algum Hip Hop veicula mensagens de sexismo, consumismo e violência, contribuindo decisivamente para uma percepção errada dos valores e princípios do Hip Hop, é bom voltar às bases e perceber que, de acordo com Shakur (2001), o Hip Hop "pode ser uma arma muito poderosa para ajudar a expandir a consciência política e social dos jovens. Mas tal como qualquer outra arma, se não soubermos usá-la, se não soubermos onde apontá-la, ou o motivo pelo qual a estamos a usar, podemos acabar por disparar nos nossos próprios pés ou mesmo por atingir os nossos irmãos e amigos”.

Em Portugal, e no Programa Escolhas, há muito que o potencial do Hip Hop foi descoberto e aproveitado pedagogicamente, de forma simultaneamente crítica e construtiva. Façamos, pois, jus ao mote da Universal Zulu Nation, organização unanimemente reconhecida como fundadora do Hip Hop. O seu lema mantém-se tão pertinente como originalmente: “Paz, Amor, Unidade e Diversão” e o seu desafio, promover a inclusão social por via das artes e da criatividade, encontra-se perfeitamente actual.

[1] Chang, J. (2005) – Can't Stop, Won't Stop: A History of the Hip Hop Generation, St. Martin's Press, Nova Iorque